terça-feira, 4 de setembro de 2012

Memórias de outros tempos - Um capítulo - Operação Ananases

Andava num remanso de vida numa terra chamada Catió, algures em África que de concreto sabia ser uma colónia chamada Guiné. Do meu tempo de estudante aprendi que ficava no Golfo da Guiné, próximo do Equador e que produzia arroz. Tinha por vizinhos o Senegal, a Guiné Conacri e o Oceano Atlântico.
Nessa altura, sabia apontar no mapa a sua localização e ficava por aí.
Para chegar ao remanso de vida naquela terra, passei por algumas experiências incluindo um cruzeiro de seis dias num paquete chamado Niassa e depois umas 10 horas num batelão que fedia a tudo que é possível imaginar-se. Creio que vem desde essa altura o cheiro que se me entranhou e elas tanto gostam.
Para que o remanso fosse completo, entregaram-me uma velha conhecida chamada G3 com a qual nunca me dei bem. Mas tive direito a ela porque nos registos de um livrinho que me ofertaram anos depois diz "não satisfaz".
Nesse remanso, passeava algumas vezes nem sei por onde, de dia e de noite, ninguém se importava com a minha existência.
Certo dia, convidaram-me para mais um passeio. Lá fui todo contente devidamente vestido com umas roupas e botas lindas que comprei num armazém na Rua da Boavista, situado num edifício que acho ter pertencido à família de Garrett. Ou terá sido da do Alexandre ? Para o caso não interessa.
Reparei que a maior parte dos meus acompanhantes não trajava o mesmo estilo de roupas. Mas como devem ter sido convidados à última da hora como eu, sem saber o que iriam descobrir no passeio, lá pensaram que qualquer trapinho serviria. Embora eu tivesse avisado que lhes ficavam mal aquelas roupinhas.
O nosso cicerone usava uma roupa parecida com a minha e nos ombros ostentava, brilhante, uma tirinha amarela.
Partimos para a excursão seriam umas três da tarde, levando a tal G3 como amparo, alguns com cintos cheios de pequenas maletas que comportavam alimentação para a dita, roupas e calçado os mais variados.
Caminhamos por ali e acolá e a tarde quási no fim. E os passeantes começaram a sentir fome e sede.
O cicerone usava um aparelho tipo telemóvel mas muito grande, que não tugia nem mugia. Só soltava ruídos, tanto quanto me apercebi.
Como uma bênção, ou talvez estivesse delineado no programa do passeio, caímos no meio de uma plantação de ananases. A rapaziada sentou-se por ali e toca de começar a descobrir o paladar da fruta. Logo descobrimos que eram azedas. Mas a esperança de encontrar alguma doce levou a que quási se destruísse a plantação.
Entretanto foram chegando umas visitas indesejáveis, minúsculas, com asas e ferrão. Começaram então a ouvirem-se duas orquestras: Uma de sopro, em estéreofonia, mais parecendo que usávamos auscultadores; a outra de repercussão, com batimentos em tudo que era pele a descoberto.
Foi com satisfação que regressamos ao remanso, seria para aí uma meia-noite.

    Quási noite, um dos participantes em plena prova de doçura

Mudando de tom. Faz agora 43 anos que morreu o meu único homem, o Salvado. Que me foi substituir numa altura em que eu andava doente. Evacuado para o H.M. encontrei-me lá com ele, mas já no caixão.  Levei os seus pertences para serem devolvidos à família. Em Setúbal existe uma lápide com o seu nome. Espero que também lá estejam os seus restos mortais.
Durante muito tempo não soube o que andei a fazer em Catió. Ninguém se dignava dar-me instruções, informações, mínimas que fossem. Fiz patrulhamentos, reabastecimentos, montei emboscadas (?) totalmente de olhos fechados. Fui aprendendo com o tempo caminhos, a vida do mato, a conhecer a população, a desenfiar-me. E a tentar unir um grupo de homens, eles também à deriva durante muito tempo. 
Esta Operação Ananases, conforme lhe passámos a referir, deu-se numa das propriedades do senhor de Catió, creio que lhe chamavam Chefe de Posto. Participou da ocorrência aos comandos militares e acabei por levar por tabela um repreensão.
Não me lembro se ao pessoal lhes deram alguma coisa para comer quando regressamos. Mas naquela altura em Catió, era eu um periquito mal saído do ovo e não "pescava" nada do assunto, só o bolso encher interessava a alguns. Comer miseràvelmente era o lema. Até ter acontecido um levantamento de rancho e a partir dessa altura então para mim o remanso foi ainda mais perfeito.
A Operação Ananases ocorreu em meados de Maio de 1968 e as Chuvas ainda não tinham chegado.