Acordei, se assim se poderá chamar ao primeiro abrir de olhos, com uma sensação esquisita, tipo ressaca sem ter bebido algo em abundância do quer que seja a não ser água.
Demorei tanto a acordar que nem o sentido de orientação funcionava. Dei comigo à janela a olhar as nuvens e o poste. Lentamente lembrei-me porque fui à janela. Ouvia cantar um pássaro, parecendo-me uma rola. Mas ou não era rola ou elas também mudaram a forma de cantar. Ou arrulhar como queiram. Mas havia outra coisa a combater na minha cabeça. Uns sons violentos de bateria a lembrar um Fli qualquer coisa dos Pink Floid. Era o vizinho do lado, ou a filha, ambos músicos.
O Apolinário, professor universitário aposentado, levava uma vida regrada e organizada ao minuto até que o meteram numa confusão. Para tentar resolver a confusão meteu-se noutra pois confundiram-no com o advogado de uma empresa que pelos vistos faliu.
Fugindo dos repórteres e dos sindicalistas, deitou a correr por uma escadas, caiu e foi ter ao hospital. Nova confusão desta vez médica, diagnosticando ao homem paralisia. Durante a noite o paralítico foi ajudando os outros doentes da enfermaria, substituindo o corpo clínico que não aparecia às chamadas. De manhã, a confusão aumentou pois a enfermeira achou que estando ele paralítico não podia estar fora da cama. E como o médico só viria à tarde, o Apolinário tinha de ser paralítico à força até lá.
Neste ponto, meio cansado, adormeci como habitualmente com a luz acesa e o livro solto algures, na cama ou no chão. Chegou-me um sonho não sei quando que mal reconstituído meteu também uma fuga, neste caso eu, por ter engolido um chip e andavam uns informáticos ou quem quer que eram atrás de mim. Cheguei a um computador e fartei-me de escrever mas desgraçadamente as mensagens não seguiam. Em contra-partida recebia imensas embrulhadas em papel. Deve ter sido neste ponto que os Pink Floid e a rola entraram na minha cabeça.
Ao abrir os jornais deparo com uma capa que me fez arrepiar. O nosso Presidente da República em grande plano mais a história do político que nunca foi.
O dia piorou, fiquei sem apetite - fico sempre quando me lembro das vaquinhas e do bolo-rei - e a minha angustia apertou. Comecei a lembrar-me do discurso dele há poucos dias e como tentou meter na cabeça dos portugueses o caos, a tragédia, a miséria, o horror se não votarmos como ele quer e nos partidos que quer. Felizmente faltam poucos meses para o vermos partir definitivamente para a Coelheira se o juiz dos ricos não resolver implicar com ele. Ainda vai a tempo, mas na realidade não acredito, porque gente fina é outra coisa.
O domingo tinha que ser mau. Aliás eu tenho raiva aos domingos, coisa que me vem há mais de 45 anos.
Lendo o camaradão Miguel Esteves Cardoso, fui-me abaixo de vez. O homem fez ontem 60 anos e parece ter ficado paranóico. Mas acho que já anda a acumular há uns meses.
Onde estão aqueles textos magníficos com que nos brindava ? Agora só escreve sobre coisas caras compradas na Internet. Desde perfumarias e artigos de limpeza a toalhas e panos do pó; canetas e artigos de papelaria: livros, assinaturas de revistas e por aí fora, tudo em camone. Como se fossemos simples mortais como ele.
Ontem fêz-me saltar a tampa ao escrever sobre sardinhas, na revista do Público. Sabemos que frequenta só restaurantes onde há o melhor peixe, o melhor grelhador e essas cenas de pobre. Lá para baixo do Portugal comum é muito normal. Mas as sardinhas, ó deus, eram as melhores do mundo, gordas e suculentas e uma dose de quatro com acompanhamento por 12 euros. Loas à casa e a converseta a seguir é que me deixou tenso. Que devemos comer menos sardinhas porque não as temos; que importamos muita sardinha e a referida ontem era da costa de Marrocos. Uma delícia.
É dos livros que a melhor sardinha é pescada a norte derivado às águas frias e onde o plâncton, o seu alimento, existe em muito maior quantidade. O Porto de Matosinhos representa mais de 25 % de desembarque de pescado em Portugal.
Este ano ainda não fui comer sardinhas a Matosinhos mas quase garanto que o custo de 3 euros por tola não se pratica. A não ser talvez em restaurantes gourmets. E outra coisa, a boa sardinha portuguesa é muito melhor em finais de Setembro e Outubro quando atinge a maturidade plena.
O MEC deve saber isto tudo. Mas anda-se a passar.
Tive de desanuviar e nada melhor do que abrir a aguardente que o Bateira me ofereceu há dias,
Parabéns pelo pomada, caro amigo. Um delícia imprópria para saborear em dias assim. Só não entendo como tem o chumbo da Cockburn's. Mistérios que não interessam nada para o caso.
Há que entreter o tempo de qualquer maneira e vai daí os bonecos da Joana depois do banho foram para o bronze. Como o tempo passa e no dia 2 ela aí está a perfazer os 4 aninhos.
Acabei a tarde a olhar para os quatro trevos da sorte que São Menezes me ofertou. O mosaico é em mármore de várias regiões de Portugal e de Carraca, se bem me lembro, irmão dos que forram o chão do Intercontinental.
Demorei a estender-me com estas tretas. Mas se não estender ninguém o faz por mim.
Já é segunda-feira, mesmo a tempo de sair na próxima edição.