quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Memórias de outros tempos - Operação Bolinhos de Bacalhau

Encontrava-me no remanso da vida no resort de Catió (como todos sabem pelos escritos anteriores foi o que me saiu em prémio para uma estadia de dois anos sem precisar de fazer telefonemas para qualquer programa mixuruco de uma qualquer estação de TV), quando um acontecimento inesperado alterou o meu modus vivendi.
Mas vamos por partes.
Catió era há época um aglomerado habitacional em transformação para Resort de Luxo.
Na foto ao alto vê-se uma seta indicadora de onde foi lançado fogo de artifício para satsisfação dos residentes, em 6 de Junho de 1968. Tinha ainda poucos dias de estadia e achei muito interessante a ideia. Que voltaria a repetir-se 3 dias depois, embora o local não pudesse ter sido referenciado.
Um àparte importante, não me lembro se as fotos são da autoria do querido e saudoso amigo Victor Condeço se do Picota Dias.

Na região, podíamos partilhar a Natureza e as suas belezas mas apenas registadas a preto/branco, pois a cor ainda estava nos seus primórdios.
Mas prossigamos com os porquês que alteraram a vida pacata de Catió. E a minha.

Numa dia de Outubro desse fabuloso ano, um grupo de mais de 100 residentes alterou-se e fez alterar os ânimos, só porque acharam as ementas com fraco valor nutritivo e muito repetitiva.  Não só usaram a sua voz como também o ruído ensurdecedor de pratos e talheres - na altura o alumínio repercutia sons fantásticos, infelizmente não totalmente aproveitado nos dias de hoje pelas Bandas Musicais, incluindo as das Manifes e afins - o que levou a Administração do Resort a entrar em pânico e desde logo a promover inquéritos para saber porque os turistas não tinham ementas de acordo com o seu gosto e necessidades.

O inquérito deu como provada a má orientação do Director Geral, Sr. Tin-tin (sobrenome adoptado por causa dos saltos frenéticos usuais no dito senhor) a quem foi dada a oportunidade para exercer novos cargos num Hospital Sanitário, longe dos Resort's Guineenses mas na sua Terra Natal onde os Bancos funcionavam perfeitamente. Quanto ao restante, disseram os autos do inquérito, que não haviam grandes responsáveis a não ser uns pequenos alimentadores do resort principal e um ou outro dos resort's secundários, a quem foi pedida uma pequena contribuição monetária para ajudar aos cofres do Resort principal. Os restantes irresponsáveis, poderam continuar com o seu trabalho.

Mas o inquérito deu uma achega final, lembrando que um dos residentes, extremamente experiente nessas coisas de alimentação e bebidas poderia ser uma ajuda no sentido de muito virem a beneficiar os turistas para que não houvesse mais razões de queixa.

Como se estava mesmo a ver o residente era eu, o que na realidade, vaidade à parte, me deixou enternecido.

Para a posteridade a imagem da antiga fábrica de arroz.
Com três responsáveis nutricionistas

Após os salamaqueques da praxe meti mãos à obra e houve que ir ao terreno ver o que se podia adquirir em termos nutricionistas. Para além de uma fábrica de arroz, a agricultura, a pesca e a criação de gado e avícola só existia para a população errante que de outras locais vinham de vez enquando aos terrenos do resort oferecer fogo de artifício.

Então a solução foi recomendar a compra de viandas ao resort chefe, em Bissau. Devidamente escolhidas para que as vitaminas e proteínas não faltassem aos residentes.
Então semanalmente começaram a chegar via aérea todas as frescuras necessárias aos residentes.

Aspecto da animação após almoço.
Se não estou em erro, o cantor é o Camarinha.
Á direita a gravar o som do espectáculo o meu sócio Neiva de Oliveira

Aproximava-se o Natal e nesse dia a Administração do Resort de Catió quis contemplar a comunidade civil local com uma festa de arromba. Para quem tanto ajudava o Resort, era sem dúvida o mínimo que se podia oferecer.
Como haviam dezenas de kg (a mais para além da ficha de produto) de Bacalhau, uma das entradas seriam os célebres bolinhos do dito à moda do Porto.
Seria uma refeição para mais de 150 pessoas, entre utentes e comunidade. Tudo programado ao pormenor. Vieram em devido tempo pela tal via aérea, Batatas, Azeite, Cebolas, Frangos, Carne (Peixe não lembro se veio), enfim tudo o que seria necessário para uma confecção condigna.

Estava-se no auge da preparação culinária Festa-ó-Natalícia, quando o cozinheiro-chefe reparou, olhando para os seus apontamentos, que os ditos Bolinhos para serem condignos do nome e como manda a receita tradicional, teriam de ter Salsa picadinha.
Instalou-se o pânico, salsa não havia, as recriminações surgiram pelo esquecimento de não incluir a ervinha na lista dos frescos,... e agora que fazer ?
Com a calma de que felizmente sempre fui dotado, dei a solução bem simples: Não há salsa mas há muito capim. Saíram os colhedores para o mato e passado poucos minutos o chefe tinha o substituto da salsa, que picadinho tal qual como a dita, engrandecerem e sublimaram o petisco, merecendo os parabéns dos comensais.

Assim, como após uma missão cumprida, pudemos todos relaxar e eu voltei à Biblioteca do Resort dedicando-me a um dos meus passatempos preferidos.

Nota: Contrariamente ao Guião do camarada Zé Silva de Catió, verdadeira obra de arte da escrita, diga-se de passagem, esta é a versão verdadeira dos Bolinhos de Bacalhau à minha moda.
Os enredos anteriores à comilança são igualmente verdadeiros. E tudo começou num levantamento de rancho em Outubro, cujo oficial de dia era o Alferes Sequeira (ou Cerqueira) do Pelotão de Artilharia na altura presente em Catió. Um obrigado ao Manuel Ribeiro por me recordar o nome do "seu" Alferes.
Outra nota: O autor destes escritos escreve segundo a ortografia que tem à mão

sábado, 1 de dezembro de 2012

54 - Memórias de Outros Tempos. A Estadia no H.M.241

Faz 43 anos que abandonei o Hospital Militar depois de uma estadia de cerca de 30 dias com guia de marcha para a minha zona de residência, Catió.
Tudo começou meses antes, talvez em Junho, quando os dentes começaram a chatear. Consegui a consulta externa e em finais de Agosto arranjaram-me lugar numa DO e lá fui até à cidade do Faz de Conta, que era Bissau.

Dias após consegui a vaga para me serem arrancados dois dentes. Que me deram cabo do juízo antes, durante e após as extrações. Apanhei o jeitinho de trincar os dentes.
Como andava a sentir-me mal do estômago e aproveitando a estadia, pedi uma consulta médica. Não demorou muito tempo a ser atendido pelo Dr. Maximino Cunha ( agradeço ao Albino Silva ter-me informado do nome do médico ) que era do meu tempo, incorporado no Batalhão de Chaves. Não sei qual era, mas sei que era também o dos meus amigos Cancela e Mano Velho Carvalho. Só há pouco mais de quatro anos conheci estes bronqueiros.
Disse-me o médico para esquecer o estômago e irmos ver os pulmões. Mas isso só com internamento. Imaginem como fiquei.

O internamento demorou muito tempo e então matava-o de qualquer maneira. De manhã ía-me apresentar aos Adidos, passava no Hospital para ver se havia vagas; as refeições e as dormidas eram no Quartel General, numa grande caserna, com beliches duplos, suja que nem pocilga.

As tardes eram entre a Piscina do Quartel General ou os cafés da Cidade. Ao domingo eram os jogos de futebol. Para experimentar também fiz um serviço de patrulhamento nocturno com dois soldados, dentro de um hunimog salta-pocinhas, entre os Adidos e o Aeroporto. Quer dizer, a certa altura o condutor estacionou a viatura num local qualquer e ferramos a "galhada" até às 5 da manhã, hora de recolher. Ele é que sabia como era.

Finalmente consegui uma vaga na primeira enfermaria do lado esquerdo, com varanda e tudo.
A próxima consulta foi ainda com o Doutor Maximino - que acabou por ser o meu médico até ao fim - para além dos RX, receitou-me comprimidos e uma injecção diária que era de ir aos arames. O líquido, mais ou menos da cor de jeropiga, quando entrava pareciam vidros. Ainda por cima o bruto do cabo enfermeiro, lá porque era pegador de touros, não fazia carinhos nenhuns. Fiquei com tanta raiva ao homem que só não veio da varanda abaixo porque não tinha cabedal para ele. Consegui ao fim de poucos dias que as injecções fossem substituídas por comprimidos. Passei a tomar 16 diários, aumentados às quintas-feiras com o quinino e as vitaminas.

Ora um internamento requer pijama e chinelos. Como não os tinha, alguém me arranjou, originários provavelmente do caixote do lixo mas lavados, um casaco só com um botão, quási branco. Umas calças quási azul bebé, sem elástico na cinta, cuja braguilha fechava em parte com um alfinete dama, ou bebé, como cá em cima lhe chamamos. Os chinelos, um de cada cor, eram daqueles que tinham uma borrachinha mais ou menos a meio e o dedão ía para um lado e o resto dos dedos para o outro. Num dos chinelos, de tão coçado, a dita borrachinha só segurava de vez enquando, mas usava sempre um clipe de prender papeis.
Li há dias que esses chinelos foram inventados por um brasileiro e se chamam havanezas ou haitianas ou coisa parecida. Para o caso não interessa nada.

Tinha conseguido no dormitório do Q.G. umas feridas na cara que demoraram muito tempo a cicatrizar. Portanto, não fazia a barba o que tornava o meu conjunto visual por demais ridículo, do qual a malta "tainava" forte e feio. Coisa que não me preocupava, diga-se de passagem. Já cá cantavam quási 18 meses.
Na enfermaria foram meus companheiros o Sargento Carvalho das Daimler, também de Catió, mas por pouco tempo; e dois rapazes já em adiantado tempo de comissão. Um tinha sido operado de urgência, não me lembro agora se por doença se por ferimentos. O outro, chegamos à conclusão que já nos conhecíamos telefonicamente por motivos profissionais. Ele trabalhava no Turismo da Nazaré e eu na gráfica que lhes fornecia o material de propaganda. Era fadista amador, mais tarde tornou-se profissional e cheguei a vê-lo actuar na RTP. Foi ele que em Abril do ano seguinte me levou e às malas ao barco, no jipe emprestado por um major, pai da sua namorada.

Chegou à enfermaria um novo inquilino, velho conhecido de Catió, o Fidalgo de Montalegre, da CCS do BART.2865. Para arrancar dentes. Era um contador de estórias muito interessante. Recordo uma a da tentativa de abatimento de um avião planador pelos guardas espanhóis, quando atravessou a fronteira pilotando o dito cujo.
Certo dia fomos visitados pelo Brigadeiro creio que se chamava Nascimento e se também não estou em erro era o Cmdt. Militar da Guiné. Depois de uma conversa a saber do estado de saúde da rapaziada, olhou para o Fidalgo que de boca aberta dormia e disse: Este sim, está muito mal. Na realidade o aspecto do Fidalgo era terrível. De manhã tinha tirado mais alguns dentes, estava com a boca desdentada e meio ensanguentada. Dormia, talvez, ainda por causa da anestesia. Mereceu o comentário.
 
A enfermaria estava localizada num ponto estratégico. Permitia-nos ver o heliporto e a chegada de evacuados. Certo dia lá chegou mais um heli e descarregou um barbudo. Dissemos para nós mais um fuza que se f..d...
Mais tarde viemos a saber que era um cubano mercenário, o Capitão Peralta.
O Hospital ficou cheio de comandos e o homem ficou num quarto com sentinelas à porta. Esta foto correu mundo e já foi identificada. Não me lembro agora se pelo Dinis Dias ou pelo Pinto, que se reconheceu no meio dos dois outros maqueiros.

Durante a estadia, fiz algumas visitas (rondas) nocturnas a enfermarias acompanhado pelo camarada Quintino da CART.2410, que entretanto tinha passado aos auxiliares e começou a peluda mais cedo nos serviços do Hospital. Vi coisas horríveis. Nos africanos a causa maior das doenças eram a blenorreia e impressionava aqueles tamanhões de pénis a desfazerem-se. 
Não havia entretenimentos, mas aos domingos deixavam-nos sair. Também a um domingo o Duo Ouro Negro, apenas com as suas violas, foram-nos dar um belo espectáculo.

Voltando às minhas doenças, os pulmões estavam um pouco estragados por uma bronquite crónica e não só por causa do clima. O Dr. Maximiano recomendou-me deixar de fumar, ou no pior dos casos fumar charuto. Não havia charutos mas as célebres Timparillos, que passei a fumar. Depois novamente no mato não me estava a ver a andar com a cigarrilha na boca à Fidel, embora as comprasse no Bar de Catió e abusei delas uns bons tempos ainda.
Estava por resolver o caso do meu estômago, que depois de tomar a horrível papa, foi-me diagnosticada uma gastrite aguda.

Quero com isto dizer que passei a dieta. Peixe era a comida e normalmente o Espada. Coisa horrorosa, que trocava com os sulistas amantes de peixe por uma comida decente, embora seja um aforismo dizer comida decente. Mas pouco comia, a não ser o pequeno almoço e o lanche, por causa do pão. No intervalo eram as bolachas que tinha na mesinha de cabeceira. Claro que havia os dias de excepção, quando o prato não-dieta era feijoada. A troca era certa e tanto quanto me lembro não era má e sempre iam umas garfadas com mais prazer.

Havia em frente ao Hospital, mais ou menos, não me lembro bem, um bairro com um restaurante lá no meio que servia bifes (um insulto aos ditos, mas enfim...) e frango de churrasco. Como nos eram proíbidas saídas nocturnas e a segurança tinha sido reforçada por causa do Peralta, o Quintino arranjou-nos umas divisas ou galões (?) de alferes e capitão que usávamos para sair disfarçados. Eu, o fadista e o operado passamos a realizar operações nocturnas ao tal restaurante para matar a fome e esquecer os padecimentos. Com direito a continencia com grande batimento de pés e arma em sentido do sentinela à porta do hospital.

Descobri que havia uma biblioteca no Hospital. Embora a minha figura continuasse com muito mau aspecto geral, conversava muito com a Bibliotecária, uma senhora ainda jovem esposa de um militar. Descobri a Gabriela, do Jorge Amado e a Selva de Ferreira de Castro. Os dois livros marcaram-me pelas particularidades, de um e outro, muito comuns à Guiné: clima, cultura, geografia, colonialismo. Não me cansei, nem canso, de publicitar estes dois livros. O (A) Gabriela que hoje possuo, deve ser o meu quarto volume, pois os outros sumiram depois de emprestados.
O primeiro que comprei foi em Catió após o meu regresso do Hospital, na Loja de um senhor sírio, cujo nome esqueci, (o querido camarada Condeço chegou a enviar-me fotos nossas em casa dele, mas perdi-as numa das lavagens do PC), e meu fornecedor habitual de livros, discos, gravadores, máquinas fotográficas, recordações. E por lá ficou.

Faria trinta dias de internamento em breve e o médico quis preparar a minha evacuação para a metrópole. Disse-lhe que não queria e me desse alta. No horizonte previa o regresso em Janeiro, no primeiro barco. O último do ano já chegara a Bissau e levaria os mais velhos. Portanto, ficavam como velhinhos os que tinham embarcado em 1 de Maio de 1968, nos quais me incluía. Em Janeiro teríamos 20 meses de comissão. Já há muito que andava com a medalha ao peito. A célebre Barreta, verde e vermelha.
Lembrava-me do meu pessoal de quem estava afastado há 3 meses. Como era o único sargento e responsável pelo pelotão (o Oliveira aos 16 meses foi fazer um curso de artilharia em troca comigo e só o voltei a ver próximo do dia do embarque em Abril) tinha a obrigação de tratar das burocracias. Sempre eram mais de 30 homens e tinha um mês para isso. Os meus palpites não bateram certo, mas isso são outras estórias.
O médico, contrariado, notei, deu-me alta e muitos conselhos. Não me chamou burro mas subentendi. Enfim, médicos...

Aguardei no hospital que houvesse transporte aéreo para Catió, o que aconteceu no dia 4 de Dezembro, dia de Santa Bárbara e da Artilharia. A minha rapaziada recebeu-me com carinho e à espera de matar a sede, que a água da bolanha andava muito salgada.
Mas vamos à vida que o próximo barco é o nosso.

Fui-me informar como andavam as coisas por Catió e cheguei à GMC, Berliet ou lá que era, a viatura que tinha ido meio pelo ar numa mina. Estava à mercê da ferrugem.
Um pequeno convívio com rapaziada da CCS do BART.2865. Furriéis Mecânico, Transmissões, Armamento. Gente muito boa.

Um novo posto de transmissões que o Eduardo Monteiro (Dadinho para os amigos de infância) mandou construir. Naquele quartel já não se capinava.

E esta é (foi) mais uma das minhas estórias dos velhos tempos.

sábado, 17 de novembro de 2012

53. O Homem sem cérebro

Presumo ser normal lembrarmo-nos com frequência de amigos, muitos deles já idos deste mundo, principalmente quando encontramos outros amigos que na nossa juventude tratámos como camaradas, pois assim nos ensinaram.

Refiro-me há "Juventude de África" dos anos 60 e 70 do século passado. Muitos desses camaradas de outrora só passados dezenas anos se conheceram ou se reencontraram. E por aí vão convivendo em tertúlias, lembrando aventuras, amores, desilusões. E continuam a tratar-se por camaradas.

Num dia sensível em que um de nós nos deixou, neste caso, uma, a camarada Enfermeira-Paraquedista Reimão, recebi várias notícias e emails tocando a alma. Umas vindo através do Paraquedista Mampego e do Blogue da Tabanca Grande sobre a Reimão e os outros vindo através da Cirea, do Brasil, assinado pelo A. Ramalhete, Memórias do tempo; e do Santos Oliveira, por causa da feliz novidade lida e falada na Rádio Liberdade de Argel pelo traidor Alegre. Reenviei esses emails, porque aqui é impossível colocá-los. Mas fica este link fácil de encontrar.
http://ultramar.terraweb.biz/Livros/SantosOliveira/PelMort912_upd3.pdf

A Pátria sou eu és tu..., Celebração de Amigos, Efemérides, Poemas de Guerra.

Por um acaso, chegou-me outro email do programa do Jô entrevistando um reputado médico Mineiro o Dr. Murilo Ranulfo. http://tvg.globo.com/programas/programa-do-jo/programa/platb/2012/11/05/muri


Entre os minutos 28 e 30, refere-se o Dr. Murilo a um pormenor que me fez vir à memória, mais uma vez, os meus camaradas Vítor Condeço - já falecido - e o Dias Pinheiro.

Ambos já eram residentes em Catió há cerca de um ano quando lá cheguei. O Condeço especialista em Armamento, o Pinheiro, Sapador, isto é, especialista em Minas e Armadilhas. Numa coluna a Cufar em que participei na segurança da picada, junto ao célebre cruzamento de Camaiupa, após várias minas detectadas, a última da do Pinheiro explodiu. Evacuação pedida, retrocede para Catió uma viatura com o Pinheiro "sem vida". Assim julgamos nós e no relatório do BART1913, dá-se baixa aos efectivos do Furriel Pinheiro, evacuado para o H.M. 231 (?) em Bissau. Só isso.

Passados uns anos e por causa de um amigo comum, o Barrinhos,(que foi assassinado por alguém duma facção do PAIGC, presume-se e já muito depois da guerra terminada, e sobre o qual escrevi aqui um artigo em Novembro de 2006, que pura e simplesmente desapareceu, ficando apenas um retalho, sem foto, de uma recapitulação que fiz em 30.Junho.2009. Nessa altura estava tudo direitinho ainda. Mas agora que fui bisbilhotar o que escrevi deparei com esta cena.) o Vítor Condeço encontrou-me e começamos a conversar. Entre as várias lembranças veio a do Pinheiro. Ele não morreu, disse-me o Condeço. Então foi uma das ressuscitações de Catió, disse-lhe, pois um dos condutores das Daimlers ficou cheio de buraquinhos num dos ataques em final de comissão, foi evacuado morto e encontrei-o uma vez na Avenida da Liberdade em Lisboa, são como um pêro, embora cheio de recauchutagens.

Em 20 de Maio de 2007, na confraternização da CCS do BART1913, encontro pessoalmente o Condeço. E peço-lhe, diz-me se está cá o Pinheiro.
E estava sim. E ouvi uma das histórias de guerra ao vivo e na primeira pessoa.

Estava a armadilhar a mina depois de escavar, a meter o fio, mas essa puta estava também armadilhada o que a fez explodir. Não me lembro de mais nada a não ser que ía pelo ar e a ver tudo vermelho.

 
E então como conseguiste sobreviver ?: Não sei, sei que fiz uma dúzia de operações e plásticas e fiquei sem uma parte do cérebro. Felizmente é aquela parte de que não precisamos. E disseste isso muito sério.

Ri muito na altura, bem como alguma rapaziada que ouviu a nossa conversa. Também houve uns comentários giros na postagem que o Blogue da Tabanca Grande publicou do nosso encontro.

Hoje ao ouvir a entrevista do Dr. Ranulfo (nome de Santo) ao Jô, lembrei-me de ti, Pinheiro. Falávas verdade e afinal não era para rir. Demonstras à Ciência que o nosso corpo tem excessos.

Na foto, o Pinheiro, que me disse, quando lhe pedi autorização para fotografar e contar a história dele:  Não me mandes outra vez pelo ar. (Maio de 2007)

















  

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Para os dias de setresse

Não é a primeira vez que recomendo aos meus amigos e amigas uma fórmula que comigo resulta sempre quando estou em baixo.
É o refúgio na cozinha, o meu elevar de moral porque sempre penso que vou inventar qualquer coisa. Tem além disso variadíssimas vantagens: a Ginástica braçal e abdominal do abre/fecha a porta do frigorífico e o abaixo/acima à procura do que nem sei quê.

Por isso, a minha regra começa pelo que tenho a certeza do que quero: A loirinha na prateleira superior. Aí começa a elevação da moral, embora por vezes aconteça uma pequena recaída só porque não encontro o abre-sameiras.

Para os não portuenses, explico, a sameira é aquela carapuça das garrafas da cerveja, que no meu tempo de menino também cobriam as Águas-Castello, as minhas preferidas, (as sameiras, não as águas) que depois de devidamente artilhadas com casca de laranja, davam uma guita do caraças nas corridas das bordas dos passeios.

Este foi - é - um pequeno àparte saudosista. Quem gostar de pormenores é só perguntar. Qualquer portuense com mais de 60 anos dará uma resposta.
Vamos ao que interessa. No sábado passado eu, mim, moi memme, estava ancioso. O Sportingue sem o boxiste Sá Pinto mas com o uesterlingue Oceano, obrigou-se  num contrato e numa disciplina à sua escolha, a apresentar-se no Palco do Dragão com um grupo de lutadores, no domingo seguinte.
A exibição grandiosa teria como parteneres um grupo de chavalos, comandados pelo El Comandante e seus muxaxos O Maçã Podre, O El Bandido, O Poderoso, etc. e tal.

Como a viagem era longa, talvez para evitar o desgaste dos lutadores e precavendo, quiçá, uns furos na zona da Vila da Feira, a Administração Petrolífera de Alvalade resolveu despachar a comitiva de avião. Pelo menos foi o que se me constou.

Mas então o porquê do meu setresse? Pela incógnita se, depois da exibição, sobrariam alguns parteneres Dragãoenses em condições psico-somáticas-atléticas para exibições futuras. E como sou de previsões, O Poderoso passado 5 minutos do começo da exibição uesterlinge já estava de saída com uma perna ao peito. E como diria o Mourinho, o nambere one, son cousas de la vida nuestra. Qui fazieri..

Mas isso foi só no domingo e ainda estavamos no sábado. E o setresse a ferver.
Redegrindo, estava na cozinha olhando para uma tigelada de frutas e pensei: Se um mestre cozinheiro faz compota de pera que ninguém entende, porque não posso fazer o mesmo ?
E assim começei bebirrando a loirinha, descascando e cortando as frutas aos pedaços: Peras, Maçãs, Ameixas, Uvas Trincadeiras e Marialvas, Laranjas, Pessegos com e sem pelo, enfim, tudo para dentro de uma panela em camadas, que se separei com umas colheres de açúcar branco, mas pouco por causa da diabetes.


Para melhorar o possível paladar final, nada como uma pitadinha de gengibre e um pau de canela. Mas pelo sim, pelo não, uma colher de chá de canela em pó não vai estragar nada, nem o sumo (olá irmãos do Atlântico Sul, sumo é suco, não aquela luta gordorenta de gigantes) de um limão e a casca de uma laranja, cortada fininha sem a tripa branca. É o toque final de mestre.

Dito é feito, deixar ferver, mexer com a colher de pau (sou conservador nos utensílios de cozinha bem como na ortografia (falada) e na fonografia (ouvida). Tudo disparates como um cozinheiro sem pédigri. Mas siga e prontos.

Um pouco de água para amaciar o produdo fervente, só a cobrir o dito e a matéria vai-se dissolvendo. Se demorar muito, porque o setresse aperta e a paciencia esgota (nunca mais era domingo) mete-se a varinha mágica lá dentro que vai ajudar a dissolver o que não quer ser dissolvido. Convém retirar o pau-de-canela porque pode dar azar. Mas tem de ficar o produto grosso, a sentirem-se os fiapos e os gromos pequenininhos da fruta. Enfim, se estiver ainda muito grosso e pegagento, acrescentar só um pouco de água, deixar ferver, e aí desliga o lume e nem mais um toque ate arrefecer completamente.

Não disse que não se podia ir provando durante o equilíbrio setressante. Com efeito, talvez até seja conveniente, mas bufando como às pápas na colher da prova, porque a coisa escalda e se não tivermos a língua apurada de finesses saem umas palavrinhas iguais às que a rapaziada do uesterlingue do seportingue irá ouvir no domingo.

Mas domingo já foi, o estresse foi diminuindo, o espectáculo correu como o previsto - 14 cartões amarelos por falta de desportivismo para o Seportingue, dois para os Dragõens a pedido do público, para equilibrar, e vamos à prova da moenga como diriam os meus queridos compadres Canhão e Leonardo.

Torrar um pão, neste caso e porque era domingo, a qualidade era regueifa, meter-lhe em cima umas colheradas da dita compota e porque a gurmeteria manda - e eu aproveito para homenagear os meus queridos amigos Ze Câmara e o Tobias, e todos os Açoreanos espalhados pelo mundo -, um queijo das Ilhas dos Açores, neste caso de S. Jorge, que de vez enquando gosto de sentir nestas mandíbulas sem dentes naturais.

E mai'nada, prontos.

Nota do autor: A linguagem e pronúncia do Norte é muito linda, penso eu de que. Está em preparação a sua candidatura a património da Humanidade. Apoiem-na.   





quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Dia Mundial do Professor

É amanhã, 5 de Outubro, que se comemora este dia.

Lembro-me com muita frequência da minha primeira professora, a Senhora D. Belmira, que me "fez" toda a Primária e dos seus olhos chorões quando se despediu de mim no ano em que fui operado, fiz a 4ª classe e a Admissão ao Ensino Preparatório. Ainda não tinha 10 anos.
Se não fosse ela, o meu gosto pela Matemática, pelo Português, pela História, pela Geografia, pela Leitura, provàvelmente não teriam sido os mesmos.

Certo, meu Pai foi outro mestre, não que me obrigasse a ser "marrão" ou "perdesse" muito tempo a ensinar-me. Mas há exemplos e conversas gravadas no nosso sub-consciente e lá ficam até ao dia em que nos recordamos delas. E os seus livros e jornais que me deixou ler foram um estímulo e complemento.

Durante a minha vida de estudante-saltimbanco encontrei outros professores marcantes e de histórias que ficaram gravadas. Como acabar com a simbólica e antiga praxe da greve geral no dia de S. Martinho da Oliveira Martins. Porque era do contra... qualquer coisa.

Na área de matemática uma professora deu-me 19 valores num exercício. Na sua correcção, o único erro assinalado não conferia com a minha opinião. Disse-me, tinha de arranjar qualquer coisa para não lhe dar o 20, pois assim seria considerado como sabendo tanto quanto eu. Aceitei perfeitamente.
Não sei quando, mas vim a saber que essa professora era irmã de um dos genros dos meus patrões. Mas não foi com "cunhas" que fui passando de ano. As minhas médias eram de 17 e levei com um 13.

Ainda nesta área, num dos anos fui explicador dos restantes companheiros. O centro de estudos era no Café do Bonfim ou aos sábados à tarde no Rialto. Curiosamente, com excepção de um colega, todos dispensaram da oral... menos eu. E a sala encheu para ver a minha prova, que quando entrou na Geometria, pedi dispensa porque não percebia nada do tema e nem tempo tive para estudar. O júri deu-me a nota positiva mais baixa do curso.
Claro que só foi possível ajudar os colegas porque os professores de outras disciplinas nos davam dispensas das suas aulas.

No último ano de francês, disciplina que nunca acabei embora com média final para exame -foi o medo de uma reprovação humilhante - tive um conflito com o professor Vaz, discordando do seu método de ensino. Trazia dos anos anteriores média de 14 e não havia maneira de me entender com ele. Um dia, irritado por causa de um 8, disse o que sentia e pensava dos métodos dele, como professor.
Todos os companheiros que assistiram à conversa foram de opinião ser melhor desistir do ano, pois consideravam já o ter perdido. E não se sabia se não iria ter um processo disciplinar. Que nunca aconteceu e continuei a frequentar as aulas.

No final do ano, preparo-me para o exame de Português. A minha média era elevada, não me lembro de quanto mas que mantive na prova escrita. A oral era obrigatória. Assisto a vários exames, anoto as características das perguntas e os autores que são de preferência do júri, três professores sendo um deles o Prof. Vaz, de francês. Na véspera do meu exame, o sorteio deu como último a interrogar o Prof. Vaz. Pediu Damião de Góis. Segui o exame do companheiro, abri o meu livro e fui fazendo anotações nas margens.
No dia do meu exame, jogava-se o Portugal-Brasil para o Mundial de 1966. Só vi um pouco do jogo enquanto lanchava no meu "tasco" preferido, o Onix, e segui para a Escola.
Na hora do começo dos exames faltava um elemento do júri. O Professor Vaz. Casado com uma brasileira, segundo explicou depois, teve uma discussão em grande lá em casa por causa do jogo (vitória de Portugal por 3 ) que o atrasou. Já tinha sido combinada entre os outros dois elementos a ordem dos exames. Eu seria o segundo. No momento em que chega a minha vez, entra o Prof. Vaz e pede que seja alterada a ordem, ficando eu para ele. O terceiro. Chegado o momento, diz-me, abre e lê o Damião de Góis. Mais umas tantas perguntas e acaba o exame.

Estava no átrio à espera dos resultados e senti um pontapé no fundo das costas. Voltei-me furioso e dou com o Prof. Vaz que me diz "reprovei-te porque não sabes nada".
Claro que passei. Mas não gostei da nota miserável.

Tudo isto vem ao caso porque gosto de lembrar os professores a quem muito fiquei a dever. Claro que nas disciplinas técnicas fui sempre um péssimo aluno. Mas ficaram  recordações. Principalmente da minha Professora Primária, a D. Belmira.

Este escrito é a minha homenagem aos professores, lembrando especialmente aqueles por quem passei nas mãos. Não foram só Professores, mas pessoas humanas que me deixaram exemplos para recordar
Hoje, não faço ideia de como é o ensino. Com tantas polémicas, descoordenações, reuniões, papeis para preencher, e que tempos de aula ? é um mundo onde ninguém se entende, com pais agradecidos outros revoltados, alunos bonzinhos e uns tantos que só à bofetada deveriam ser tratados. E os Professores, pessoas, que têm a dizer ?
Não sei se os seus salários compensam esta actividade desorganizada, ao sabor de tantos interesses e políticas, algumas sem jeito que mesmo quem não é da "arte" entende. Não sei se há bons e maus professores. Mas sei que sem eles seríamos analfabetos.

Um abraço de carinho a todos os Prof's. Em especial aos que me dão a sua amizade e são muitos, quer estejam no activo ou como eu a gozar a boa da vida...
E particularmente à amiga Maria Helena Leote, que amanhã completa mais um ano de vida.
Parabéns a você, Amiga. (Ainda não completei a leitura do seu livro...)

Por casualidade, no sábado passado fui dar a uma Escola. Dizia um companheiro era aqui a minha carteira. Por muito velho que estejamos, os nossos verdes anos passados na Escola serão sempre relembrados.
Mesmo que a cana ou a palmatória, na altura, nos tenha doído.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Memórias de outros tempos - Um capítulo - Operação Ananases

Andava num remanso de vida numa terra chamada Catió, algures em África que de concreto sabia ser uma colónia chamada Guiné. Do meu tempo de estudante aprendi que ficava no Golfo da Guiné, próximo do Equador e que produzia arroz. Tinha por vizinhos o Senegal, a Guiné Conacri e o Oceano Atlântico.
Nessa altura, sabia apontar no mapa a sua localização e ficava por aí.
Para chegar ao remanso de vida naquela terra, passei por algumas experiências incluindo um cruzeiro de seis dias num paquete chamado Niassa e depois umas 10 horas num batelão que fedia a tudo que é possível imaginar-se. Creio que vem desde essa altura o cheiro que se me entranhou e elas tanto gostam.
Para que o remanso fosse completo, entregaram-me uma velha conhecida chamada G3 com a qual nunca me dei bem. Mas tive direito a ela porque nos registos de um livrinho que me ofertaram anos depois diz "não satisfaz".
Nesse remanso, passeava algumas vezes nem sei por onde, de dia e de noite, ninguém se importava com a minha existência.
Certo dia, convidaram-me para mais um passeio. Lá fui todo contente devidamente vestido com umas roupas e botas lindas que comprei num armazém na Rua da Boavista, situado num edifício que acho ter pertencido à família de Garrett. Ou terá sido da do Alexandre ? Para o caso não interessa.
Reparei que a maior parte dos meus acompanhantes não trajava o mesmo estilo de roupas. Mas como devem ter sido convidados à última da hora como eu, sem saber o que iriam descobrir no passeio, lá pensaram que qualquer trapinho serviria. Embora eu tivesse avisado que lhes ficavam mal aquelas roupinhas.
O nosso cicerone usava uma roupa parecida com a minha e nos ombros ostentava, brilhante, uma tirinha amarela.
Partimos para a excursão seriam umas três da tarde, levando a tal G3 como amparo, alguns com cintos cheios de pequenas maletas que comportavam alimentação para a dita, roupas e calçado os mais variados.
Caminhamos por ali e acolá e a tarde quási no fim. E os passeantes começaram a sentir fome e sede.
O cicerone usava um aparelho tipo telemóvel mas muito grande, que não tugia nem mugia. Só soltava ruídos, tanto quanto me apercebi.
Como uma bênção, ou talvez estivesse delineado no programa do passeio, caímos no meio de uma plantação de ananases. A rapaziada sentou-se por ali e toca de começar a descobrir o paladar da fruta. Logo descobrimos que eram azedas. Mas a esperança de encontrar alguma doce levou a que quási se destruísse a plantação.
Entretanto foram chegando umas visitas indesejáveis, minúsculas, com asas e ferrão. Começaram então a ouvirem-se duas orquestras: Uma de sopro, em estéreofonia, mais parecendo que usávamos auscultadores; a outra de repercussão, com batimentos em tudo que era pele a descoberto.
Foi com satisfação que regressamos ao remanso, seria para aí uma meia-noite.

    Quási noite, um dos participantes em plena prova de doçura

Mudando de tom. Faz agora 43 anos que morreu o meu único homem, o Salvado. Que me foi substituir numa altura em que eu andava doente. Evacuado para o H.M. encontrei-me lá com ele, mas já no caixão.  Levei os seus pertences para serem devolvidos à família. Em Setúbal existe uma lápide com o seu nome. Espero que também lá estejam os seus restos mortais.
Durante muito tempo não soube o que andei a fazer em Catió. Ninguém se dignava dar-me instruções, informações, mínimas que fossem. Fiz patrulhamentos, reabastecimentos, montei emboscadas (?) totalmente de olhos fechados. Fui aprendendo com o tempo caminhos, a vida do mato, a conhecer a população, a desenfiar-me. E a tentar unir um grupo de homens, eles também à deriva durante muito tempo. 
Esta Operação Ananases, conforme lhe passámos a referir, deu-se numa das propriedades do senhor de Catió, creio que lhe chamavam Chefe de Posto. Participou da ocorrência aos comandos militares e acabei por levar por tabela um repreensão.
Não me lembro se ao pessoal lhes deram alguma coisa para comer quando regressamos. Mas naquela altura em Catió, era eu um periquito mal saído do ovo e não "pescava" nada do assunto, só o bolso encher interessava a alguns. Comer miseràvelmente era o lema. Até ter acontecido um levantamento de rancho e a partir dessa altura então para mim o remanso foi ainda mais perfeito.
A Operação Ananases ocorreu em meados de Maio de 1968 e as Chuvas ainda não tinham chegado.






quarta-feira, 20 de junho de 2012

Atrasado mas a tempo

Quarta-feira, 20 de Junho de 2012


104 - Memórias atrasadas

Precisei ler de uma "ilustre" mas incógnita comentarista, a notícia que o Bando alcançou a marca de 13.000 visitas. Claro que tinha de ser colocada em relevo no post a noticia pelo nosso querido Presidente JTeix./45, mas sem dar o devido relevo. Este Presidente nunca mais vai de vela.
Isso fez-me recordar que andavam umas fotos perdidas e não publicadas. Como seria de obrigação.
Aqui vão, atrasadas, mas a tempo.

Em Maio, por atrasos de comunicação, andou o Bandalho-escritor sozinho, pelo Aljube (melhor dizendo, pela Cadeia) e Cordoaria até que a companhia chegasse. E a proposta foi descer a Restauração à procura da casa onde o Avó de um amigo vivendo no Brasil, teve o primeiro laboratório clínico, privado, da nossa Cidade.
Temas particulares, mas que o Bando ajudou a descobrir.
Mas ao passar o 18, o Presidente embirrou com os freios do dito. Como já lá vão mais de 2 meses, não lembro o que ele queria do bichinho.

Olhar da Restauração por sobre as Ruínas do antigo Convento de Monchique, trazem-nos sempre recordações da História e de Estórias. Presume-se que o Convento foi construído no local onde existiu um antigo cemitério Judeu. E daqui partiu Camilo Castelo Branco para a sua obra prima O Amor da Perdição, escrito na Cadeia. Onde eu tinha estado uma hora antes, na que foi a sua cela.

Depois foi a descida pela Rua de Cimo do Douro ao lado do Bairro Ignêz, o primeiro Bairro Social da Cidade, a caminho de Monchique.

Tudo aquilo está em ru�nas, mas a fachada ainda está em pé. Um escritório de uma empresa de segurança e presumo que ainda uns armazéns da Meneres, ainda por lá estão.

Chegados à Alfandega, algumas ruinas de Miragaia, contrastando com o Palácio dos Portocarrero - ainda há laços vivos desta família - mais conhecido como Palácio das Sereias, fazem doer a alma. A partir daqui, foi apanhar os transportes para a comezaina. E mai'nada.

Saltemos para Junho 13, dia de conflitos nacional-futebolísticos.

Arrancando da farmácia, descida por Sá da Bandeira e olhando os Tugas portuenses, ansiosos pelo jogo contra a Dinamarca. A hora aproximava-se, mas queríamos ver o jogo na sede.

A sede tinha-se prevenido com um ecrã quási gigante e estava cheia. Mas um Presidente que se preze (prezou), reservou lugar previligiado para o mini-Bando tomar umas loirinhas e dizer mal do treinador e do CR7. Vão trabalhar malandros...
Felizmente que o Dragão Varela acalmou a rapaziada para irmos sossegados saborear um Alemanha-Holanda na Churrasqueira.

Regresso à sempre e eterna Cordoaria para apanhar o 300 que nos leva até às Antas.
Quem foi ou foram os porcos que colocaram aqueles papeis junto ao Rapto de Ganimedes ?

Um passeio já habitual desde a Churrasqueira - não frango e bacalhau, mas frango e bife - até ao Poço das Patas, onde o luminoso nos lembra que o S. João é daqui a três dias.
E prontos, atrasado sim, mas a tempo.
Por falar nisso, sexta-feira não será dia de farturas nas Fontaínhas ?
É só para lembrar ao nosso Presidente.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

46 - À volta de uma melodia

Há coisas que acontessem de forma bem simples. É este o caso e tudo começou porque uma amiga me enviou um vídeo do Jorge Aragão (da Cruz), músico nascido no Rio de Janeiro em 1 de Março de 1949.
A partir daí resolvi fazer um inquérito junto dos meus amigos internautas. Mais de 100 conheço-os pessoalmente, mas só com dois partilhei uma conversa sobre o tema.
Até hoje, ninguém sabe a minha opinião, embora alguns amigos ma tivessem pedido. Calma, já lá iremos.
O tema foi a melodia Avé Maria, não a letra até porque não há voz, interpretada em ritmo de samba. Por isso mesmo, talvez controversa. Para além dos emails de resposta, que foram cerca de 20% dos meus amigos, (digamos, são a média que sempre imaginei de apreciadores dos meus trabalhos e até provàvelmente os reenviarão; gosto de números, portanto tenho alguns guardados). 
Mas o "bom da coisa" é que tanto os sim, a grande maioria, como os não, desenvolveram a razão em que formularam a sua opinião. Apenas recebi um não, sem qualquer comentário. 
Isto é muito interessante, porque a net acaba por ser um elo comum que une quem ainda gosta de escrever e partilhar ideias. Para além dos vários textos que me enviaram , recebi várias histórias. Destaco duas delas.
A do amigo ido de Portugal para o Brasil, há pouco tempo e na cidade do seu acolhimento, sensibilizado,  ouviu esta interpretação difundida em altifalantes. 
Outra, do amigo, que numa viagem aérea de várias horas, esqueceu-se de comprar algo para ler. O passatempo foi escrever os seus top preferidos: Música, livros, filmes, etc. Agora, deu-se ao cuidado de me enviar as músicas preferidas, brasileiras e mundiais.
A minha opinião, depois de ver e ouvir primeiro o vídeo e repetir a audição fechando os olhos e deixar-me levar pelo som. Gosto, sem dúvidas.
Foi assim, por causa de uma interpretação musical, controversa ou não, que comunicamos, opinamos. (não sei porque não deverá ser opiniamos. Não diziemos nem escrevmos opinão.Os amigos sabem ?) Esta é também a minha resposta a cada um dos emails que recebi e daqui mando o meu abraço de amizade para todos.
E uma nova interpretação, agora sem imagens. Para guardar.
  

domingo, 1 de abril de 2012

45 - A Cerejeira florida

Ao ver uma foto com legenda, Cerejeira em Flor, recordei umas histórias de um dia há precisamente 3 anos e uma semana.

Alguns amigos de vários pontos do País, tendo em comum parte da sua vida passada na Guiné, aceitaram um convite para uma visita à já então famosa Quinta da Senhora da Graça entre a Régua e Santa Marta de Penaguião, em pleno Douro Vinhateiro. Não é Quinta de magnatas, mas é magnánima nas vistas que nos oferece e na cortesia de bem receber.
E as minhas histórias começaram.

Olhando lindas árvores floridas, perguntei humildemente se seriam macieiras (ou laranjeiras ou pessegueiros, já não lembro.) Flores brancas para mim são beleza independentemente da árvore. Mas  são Cerejeiras, esperando o fruto para breve que melros debicarão com prazer. Assim me foi explicado pela "Dona" da Quinta. Devo dizer que já por diversas vezes os frutos desta árvore me foram ofertados. Os melros não foram os únicos felizes contemplados.

Passear por ali não cansa, é só deixar correr o olhar. Mesmo que as vinhas ainda não tenham sequer começado o seu trabalho, complementando o do homem. Isso seria lá mais para diante, dali a seis meses...
Em pleno verão esta água foi a mais gelada que já "provei". Nem a dos mares nortenhos se lhe compara. Mas isso foram 6 meses depois.
Na altura desta história e no lanche matinal, acompanhando vários salgadinhos, queijos e bôlas de várias qualidades de carnes e de sardinha, um vinho tinto apreciei. Como grande conhecedor que sou, logo ali afirmei, que rico vinho. Disse-me a "Dona", deste não bebes na Tabanca. Era (é) SEx.o Pedro Milanos. 
 
Na varanda da Casa Rural de Turismo, uma cesta de baloiço que levou comigo só para experimentar como é aquela coisa. Infelizmente parece que já não existe. Mas se não tivesse ajuda para voltar à posição normal de um humano, hoje ainda lá estaria a tentar sair dela.

As minhas explorações prolongaram-se - até nem fazia ideia que havia almoço tão cedo depois daquele lanche - e cheguei atrasado ao refeitório. Conclusão, não tinha lugar à mesa. Mas nada que me atrapalhasse. Nas janelas rasgadas para os montes, com paisagem soberba, há uns banquinhos em pedra e para ali fiz a pontaria como lugar de comer o meu almoço.
 
Antes, passeando pela casa, tinha tirado as medidas à panela e ao local onde estava estava a ser cozinhado o quê não sabia.

Mais tarde olhei, olfactei, provei, talvez a melhor feijoada que comi na vida. E se comi muitas... Já o tenho dito e escrito à posteriori deste dia. Enchi o meu prato, o copo, peguei em pão e lá fui sentar no tal banquinho à janela olhando alguns montes do Douro. De repente chega-se a "Dona" e manda-me para a mesa. A atrapalhação foi tanta que metade do molho do feijão foi parar ao chão. Aí eu piorei, mas a "Dona" logo me acalmou. E um lugar à mesa foi aberto.
Devo dizer que não foi nesta altura que fiquei com o apelido do Lateiro da Senhora da Graça. Isso foi uns meses mais tarde quando me aviei umas seis vezes de cabrito. Mas isso são outras histórias.
Mas que me aviei forte e feio também de feijoada, não tenham dúvidas. Só que nessa altura ninguém reparou.

Um boneco das belas "pomadas" da Casa. E que roupas elegantes lhe vestiram. Tiragem especial para os amigos com rótulo estanhado para o Vinho do Porto. A Aguardente também só para os amigos. E mai'nada.

Momentos passados durante aquela tarde. Senhoras a um lado e Cavalheiros a outro, para dar à tramela e ouvir o desafinanço guitarral do Jorge Félix e do Álvaro. O famoso Papa-Natas (o Ricardo Pereira é um menino de coro comparado com ele, segundo as má-línguas) que conheci naquele dia, destoa do grupo de deslambidos e sub-nutridos que ainda hoje não se recompuseram da fome que passavam há 40 anos.
Um abraço fraterno ao Zé Manel e à "Dona" Luísa. Que novinhos eles eram.

Recordações só por causa da Flor da Cerejeira. Quem a quiser ver e eu recomendo, é só saltar ao Facebook, Quinta da Senhora da Graça. E pronto.