domingo, 7 de dezembro de 2014

50 - O Quim deixou-nos

A vida é assim mesmo. Nascemos, vivemos e vámo-nos quando tem de ser.

O Quim Martins partiu hoje .

Já doente, o humanista chorava há bem pouco tempo porque os seus Bombeiros estavam a passar uma crise terrível .

Do Homem, do artista que várias vezes ouvi tocar, do camarada, vão ficar as saudades.


À família, especialmente ao irmão Armando, deixo-lhes a minha solidariedade.






domingo, 7 de setembro de 2014

49 - Estou com raiiivaaaa

Estou mesmo com raiva e não pensem que é por aquilo em que estão a pensar. Especialmente os meus amigos Portugueses.
Aquilo em que estão a pensar (os meus amigos Portugueses) já não me diz nada. Nem com lenços brancos.
Estou com raiva porque ando cheio de azares. Parece bruxedo. Há oito dias foi o PC que tremelicou. Não sei como, lá o aguentei. Por um lado, foi bom porque apanhei um escaldão e li dois dias da Criação do Mundo de Miguel Torga.
Agora, foi novamente a câmara fotográfica. Precisamente quando estava preparado para fazer umas fotos só para chatear os amigos. E as amigas, se me permitem.
 Pois as fotos eram de umas comidinhas das quais andava com uns certos desejos. Ontem saiu a Mão de Vaca com Grão de Bico cheia de estrias. A foto, claro. Vi logo que o fim de semana ia correr mal. Não sou bruxo todos os dias, mas para lá caminho.
 Ainda tentei fazer uns passes de manigância a ver se a coisa se recomponha, mas nada. 
A arte ficou só no Coelho em Vinho Tinto 
 Hoje ainda tentei que a coisa - a máquina - melhorasse. Piorou. Mas valeu o Coelho.
Não, não é esse em que estão a pensar. Esse não vale nem sequer o trabalho de aquecer o forno para o meter lá dentro.
Por isso, é só raiva, que nem os lenços brancos me acalmaram.

domingo, 13 de julho de 2014

Bombeiros Voluntários de Gondomar

Caros amigos,
Estive hoje num feliz convívio de amigos e camaradas em Gondomar. Sabem como é, muita conversa, copos, petiscos.
Reparo num amigo e camarada que já não via há tempos. Olho o seu rosto triste, desanimado e ouço uma pequena conversa, será mais um desabafo.
Era o Joaquim Martins, ex-companheiro de andanças pela Guiné, grande Guitarrista que faz parte do Grupo do Choupal até à Lapa, que interpretam com excelência Fado de Coimbra.
Vi-o chorar revoltado. Os seus Bombeiros estão sem dinheiro. Usam todos os meios legais para conseguir alguns fundos. Até as crianças-bombeirinhas sofrem. Já não têm o mesmo apoio que a Associação dos Bombeiros Voluntários de Gondomar lhes dava, mas vão com os seus pais e amigos pedir com a saquinha ajuda para os Bombeiros.
É uma velha Associação com mais de 100 anos. A partir dela, se não estou em erro, formaram-se núcleos e outras Associações Humanitárias do Concelho.
Estou a escrever isto à revelia do Joaquim Martins, Presidente dos Bombeiros, meu camarada.
Mas disse-me, se queres publicar, escreve que estamos sufocados.
A voz do camarada Carlos Silva saltou e a quete que conseguimos entre os amigos no nosso convívio não ajuda muito.
Amanhã haverá um fogo, uma chamada de urgência para um acidente, e lá vai o dinheiro no gasóleo.
Amigos, Gondomarenses e outra gente boa. Os Bombeiros de Gondomar estão a precisar de ajuda. Já que o governo de Portugal não ajuda, apoiem esta instituição.
É fácil contactar com eles.




domingo, 22 de junho de 2014

47 - A nostalgia da chuva no S. João

Acordei meio não sei como. Talvez porque estamos em tempos de S. João. Festa que desde os meus 14 anos os Pais me permitiam festejar com os amigos. Ora festejar o S. João é essencialmente a noitada de 23 para 24. Os bailaricos, as cascatas, as Fontainhas e a Boavista, o Fogo lançado da Serra (do Pilar).
Em 1967 roubaram-me o S. João. Chorei, talvez não tanto pela falta da noitada, mas porque não me deixaram ir a casa comer a sardinha e o cabrito com a família. Foi a transferência de unidade.
Em Maio de 68 estou muito longe dos meus. Nem sequer sei o que se passa em França onde os estudantes estouram com De Gaulle que para salvar a face convoca eleições antecipadas precisamente para 23 de Junho. S. João. Em Portugal, os estudantes de Porto, Coimbra e Lisboa manifestam-se.
Estamos agora em Junho. A 21 na Avenida Rio Branco, no Brasil, outros estudantes sofrem a violência das forças policiais. No dia seguinte tomam a Avenida, Óscar Niemeyer, Clarice Lispector. Glaube Rocha, Milton Nascimento...
No Vietname as tropas americanas sofrem revezes consecutivos.
Estou no fim do mundo há pouco mais de um mês. A norte da linha do Equador, num pequeno território africano que já pertenceu ao Golfo da Guiné, assim chamado pelos Portugueses de 500.
Estamos mentalmente no S. João da Metrópole. No pequeno território português da Guiné há pequenos Vietname's. Na minha zona, relativamente pacífica vive-se com terror. Os dias 6 e 9 marcaram os militares velhos. "Apanhei" esses dias, mas não entendo nada do que se passa.
Ouço e vejo a chuva cair. Daqui a pouco tenho de vestir o camuflado, reunir o pessoal depois de um lanche feito com sardinhas ou carne de porco enlatadas e um pouco de pão. O desprezo por homens na flor da idade a quem não é dado o mínimo substancial para aguentar condições atmosféricas e do terreno. Mas ainda estou nos meus princípios, sou um "periquito".
Vai ser mais um caminhar por picadas, talvez atravessar bolanhas, defender populações hostis, montar segurança. Chove. É a época das chuvas. Corpos molhados, enregelados, sem abrigos, sem condições. Medo do desconhecido, da noite, dos tufões, do vento, dos raios; tropas ignorantes dos perigos. Fála-se em "cuspideiras" cobras pequenas mortíferas. E das baga-baga, formigas gigantes, vermelhas ou pretas, de cabeças medonhas, guerreiras, piores que balas dos turras. E estes por onde andarão ? será que passam por aqui ? eles atacam na chuva ?
Pessoal impreparado militarmente. Carne para canhão. Gostavam de ver os soldados americanos do Vietname aqui. Como se sentiriam sem comida, sem (ou péssimas) transmissões, sem o seu armamento poderoso ? Nem comparam a diferença de vencimentos, as condições de vida, os descansos periódicos.
Mas nessa altura nem fazíamos ideia das regalias que eles tinham.
Nem soubemos que houve um Maio de 68. Nem as lutas na Metrópole. Muito menos do que se passava no mundo.
Hoje é domingo, há 48 anos era sábado. Vésperas de S. João. E a chuva silenciosa que cai, por agora mansa, trás-me recordações e a nostalgia dos tempos da juventude e de três S. Joões que me roubaram. Que nos roubaram.

Dois meses e meio após o meu regresso, no S. João de 1970, acompanhei os meus Pais e uns amigos na noite e a ver o fogo. Não consegui aguentar nem a multidão nem o fogo.Senti-me mal. O dia passei-o na cama e a tomar uns comprimidos que me tinham dado no barco.  

A foto foi feita no local onde em 6 de Junho de 1968 assentaram as baterias do IN que flagelaram o Quartel e a população de Catió. O meu baptismo de fogo.





quinta-feira, 1 de maio de 2014

62 - Nunca é tarde

O meu médico.

A avó materna, galega e católica da cabeça aos pés, queria que fosse padre. Ele queria emigrar. Para os Estados Unidos. No fim, nem uma coisa, nem outra. O pai, bancário, começaria a ganhar melhor e Maximino Cunha haveria de rumar de Chaves para Coimbra e, depois, para Lisboa. E assim se faria médico. E comunista.
A opção política condicionou--lhe a progressão na carreira. "Antes do 25 de Abril, nunca pude aceder a nenhum lugar do Estado", recorda. Mas haveria também de marcar a forma de exercer a profissão. Já doutor, regressou a Chaves por castigo (político). "Julgo que não sabiam que me estavam a mandar para a minha terra natal".
Nessa altura, depois do serviço clínico no quartel, Maximino Cunha exercia Medicina privada. Muitas vezes sem cobrar. "Sabia perfeitamente que não tinham dinheiro para me pagar. Ah, quantas vezes!", lembra. E justifica: "Se não fosse sensível à pobreza não seria comunista". Hoje, garante que este tipo de casos são cada vez mais raros, mas teme que a crise os possa fazer renascer. "Provavelmente vão aparecer por causa do desemprego e da crise ".
O consultório, em casa, não está identificado. "A publicidade são os doentes que a fazem". Não tem computador. Olha para os doentes. A tabela de preços, no corredor, está em euros e escudos. 40 (8 contos) na primeira consulta e 30 na segunda e seguintes. João Semana puro, talvez não, mas com uma costela, certamente.
(in Jornal de Notícias edição de 7.2.2010)
Já por aqui me referi ao meu problema de saúde nos finais do ano de 1969 e ao médico que me tratou e quis evacuar desde a Guiné até às origens do Portugal Metrópole.
Depois daquele mês e meio que tive de contacto com ele, nunca mais o vi.
Há cerca de 15 dias vi uma reportagem do ex-camarada Albino Silva em http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/ e vi a foto que publicou. Era ele, o meu médico.
Relembrando o texto que se escrevi no mesmo espaço:

(...) Como andava a sentir-me mal do estômago e aproveitando a estadia, pedi uma consulta médica. Não demorou muito tempo a ser atendido pelo Dr. Maximino Cunha (agradeço ao Albino Silva ter-me informado do nome do médico) que era do meu tempo, incorporado no Batalhão de Chaves. Não sei qual era, mas sei que era também o dos meus amigos Cancela e Mano Velho Carvalho. Só há pouco mais de quatro anos conheci estes bronqueiros.

Disse-me o médico para esquecer o estômago e irmos ver os pulmões. Mas isso só com internamento. Imaginem como fiquei. 

 (…) Finalmente consegui uma vaga na primeira enfermaria do lado esquerdo, com varanda e tudo.

A próxima consulta foi ainda com o Doutor Maximino - que acabou por ser o meu médico até ao fim - para além dos RX, receitou-me comprimidos e uma injecção diária que era de ir aos arames. O líquido, mais ou menos da cor de jeropiga, quando entrava pareciam vidros. Ainda por cima o bruto do cabo enfermeiro, lá porque era pegador de touros, não fazia carinhos nenhuns. Fiquei com tanta raiva ao homem que só não veio da varanda abaixo porque não tinha cabedal para ele. Consegui ao fim de poucos dias que as injecções fossem substituídas por comprimidos. Passei a tomar 16 diários, aumentados às quintas-feiras com o quinino e as vitaminas. (…) 


(...) A enfermaria estava localizada num ponto estratégico. Permitia-nos ver o heliporto e a chegada de evacuados. Certo dia lá chegou mais um heli e descarregou um barbudo. Dissemos para nós mais um fuza que se f..d... Mais tarde viemos a saber que era um cubano mercenário, o Capitão Peralta. O Hospital ficou cheio de comandos e o homem ficou num quarto com sentinelas à porta. Esta foto correu mundo e já foi identificada. (...)

(…)Voltando às minhas doenças, os pulmões estavam um pouco estragados por uma bronquite crónica e não só por causa do clima. O Dr. Maximino recomendou-me deixar de fumar, ou no pior dos casos fumar charuto. Não havia charutos mas as célebres Tiparillos, que passei a fumar. Depois novamente no mato não me estava a ver a andar com a cigarrilha na boca à Fidel, embora as comprasse no Bar de Catió e abusei delas uns bons tempos ainda. 
Estava por resolver o caso do meu estômago, que depois de tomar a horrível papa, foi-me diagnosticada uma gastrite aguda. 

(…) Lembrava-me do meu pessoal de quem estava afastado há 3 meses. Como era o único sargento e responsável pelo pelotão (o Oliveira aos 16 meses foi fazer um curso de artilharia em troca comigo e só o voltei a ver próximo do dia do embarque em Abril) tinha a obrigação de tratar das burocracias. Sempre eram mais de 30 homens e tinha um mês para isso. Os meus palpites não bateram certo, mas isso são outras estórias. O médico, contrariado, notei, deu-me alta e muitos conselhos. Não me chamou burro mas subentendi. Enfim, médicos... Aguardei no hospital que houvesse transporte aéreo para Catió, o que aconteceu no dia 4 de Dezembro, dia de Santa Bárbara e da Artilharia. A minha rapaziada recebeu-me com carinho e à espera de matar a sede, que a água da bolanha andava muito salgada. Mas vamos à vida que o próximo barco é o nosso. (...)

Ao Doutor Maximino envio-lhe um abraço. Sei que não usa computador, mas alguém o fará por mim.

terça-feira, 15 de abril de 2014

61 - A Bochecha de Boi

Sábado passado, num almoço com ex-camaradas no Choupal dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, o prato principal foi Bochecha de Boi assada.
Lembrei-me então de um episódio da minha vida de vaguemestre (ou vagomestre), por acaso e obrigado, durante o meu período militar na Guiné, mais concretamente em Catió e que durou cerca de 4 meses.Já lá vão 45 anos. Para quem não sabe, este ofício determina, no Exército Português, o responsável pela alimentação de uma unidade militar. Em França é o Carteiro, que distribui a correspondência aos militares. Para o caso não interessa nada e prossigamos.
Não interessam agora as razões porque me foi imposto o lugar e serviço. Já estão por aí divulgadas. Então aqui vai a razão das minhas recordações.
Estamos em Dezembro (68) e num sábado estava a jogar à bola quando apareceu esbaforido a chamar-me um dos rapazes do "Rancho" que tinha de ir já ao Refeitório. Não era a hora do Rancho, portanto não poderia haver nenhum levantamento. Para a refeição da noite era ainda cedo, estava tudo controlado. Perguntei ao moço - não me lembro quem foi - qual o motivo do alarme. Está ali um preto com uma vaca para vender, disse ele. Pensei para mim, mau maria, não é bom sinal. É roubada, pois nunca tinha visto uma vaca na zona operacional de Catió. E eram famosos os roubos dos Balantas, Sem desprimor para as outras etnias.
Cá vai a informação (para os amigos ex-camaradas que não se lembrem ou não sabem e para os que desconhecem o que foi aquela vida, em Catió), a população era-nos hostil.  (Alô pessoal da 1913 e da 2865, confirmam ?). Mesmo para conseguirmos comprar uma frango era preciso uma boa relação com alguém.
Adiante. Lá fui ver a vaca. Eu sei o que é uma vaca, sempre soube, claro, mas aquele bicho mais parecia uma carga de ossos a fingir de vaca. Já agora não sei se era vaca ou boi.
É certo que a memória é difícil de recuperar 45 anos, mas lembro-me que estava todo de pé atrás a olhar para o moço - que já não o era - que se dizia dono da vaca. Como a trouxeste, tem corda ? Está aqui furriel. És o dono verdadeiro ou roubaste-a ? Lógicamente que não ia dizer que a roubou. De onde vens e onde guardavas a vaca ? Não me lembro sequer da resposta. Mas o homem deveria ter os papeis de identificação e permanência (sei lá, mas imagino) em ordem. Mas deve ter vindo pela bolanha e não pela vila.
Para a rapaziada era uma festa ver a vaca no refeitório. Já lhe tinham ido buscar capim e água. A vaca (ou boi) estava serena/o a mastigar e eu ali a pensar o que deveria fazer. Compra furriel, era a voz d'ordem. Bom, quanto custa a vaca ? 2.000 pesos. Eu a olhar para o bicho e a pensar quantas refeições daria e a como saíria cada uma. E onde vou guardar o bicho se não tenho frigoríficos. Não quero a vaca, pensei, mas o cozinheiro chefe pensou por mim e disse: Ofereça 1.500 pesos e vamos aos frigoríficos das messes e do rancho, compramos gelo fazemos frio e a vaca vai dar 3 refeições.
Acertado o preço com o vaqueiro, fui acordar o primeiro sargento para lhe pedir o dinheiro. O senhor Luz, mais conhecido com o pica-estradas. Só por causa do nariz, porque nunca deve ter posto o pé fora do portão em toda a comissão. O homem deitou-me uns olhos de raiva por ir acordá-lo da sua
sesta e pior ainda, por lhe ir pedir dinheiro.
Lá comprei a vaca, foi logo morta para evitar problemas com o possível dono, mandei chamar o médico que por acaso estava em Catió para lhe ver as entranhas, estava tudo bem, menos o fígado que estava cheio de bichinhos mas isso não era grave para a saúde dos militares desde que não fosse confeccionado.
Para os interessados e antes de chegar ao ponto, devo dizer que a vaca, incluindo a cabeça, (cá esta a bochecha) os miúdos aproveitáveis, os pés (chamados de mão de vaca, uma delícia gastronómica pelo menos aqui no Norte) mais a sua carcaça pesava menos de 90 Kg. O que saía o Kg a 17 pesos mais ou menos. Essas contas nunca me saíram da cabeça.
Carne fresca tem de ser repartida. Fiz as contas à totalidade dos militares na base, dava salvo erro 17 kg para os sargentos e 6 para os oficiais. Tudo na proporção. Mas não poderia ser só a carne, tinham de levar ossos também.
Aqui chegados começou a confusão. Iria vender a carne a 19 pesos. Quem quer quer, quem não quiser que deixe que os rapazes agradecem. Chamei os vagomestres da messe dos oficiais e dos sargentos para saber o que queriam. O dos sargentos era o Picota Dias, que deve estar lá para Águeda. Só pensava em dinheiro para o bolso dele, claro. Não quis carne nenhuma aquele preço. Perdia-a dinheiro. Ainda lhe disse, estás a dar uma messe de m.... aos gajos, só estás mamar, dá-lhes um consolo e eles ficam felizes. Eu quero que eles se fod.... Palavras directas do Dias.
O senhor Alferes da messe dos oficiais - sei quem era, não me lembro do nome e se não estou em erro trabalhava na Oliva ou na Eduardo Ferreirinha. Encontrei-me com ele anos mais tarde por motivos profissionais e creio que também num dos almoço da CCS/BART1913 - queria carne para dar uma refeição de bifes e uma segunda de qualquer coisa. Ó Alferes, espere aí, não vou ,mandar cortar carne para bifes para os senhores oficiais. Vai a eito e é o que der. E você resolva lá na sua cozinha.
Teixeira prá aqui e prá li, pois senhor alferes, se eu quiser comer um bife vou ao Taras Buba que é só sair a porta d'armas, trinco a carne que ele vai buscar não sei aonde, fecho os olhos e finjo que é bife. Pago 20 pesos e está feito.
Creio que o homem se chamava - e se for verdade espero que ainda se chame - Silva, saiu chateado e lá fui eu chamado ao comandante Cardoso. E o bicho vaca ou boi à espera de ser cortado, ali pendurado no refeitório, os abutres já sobrevoavam o quartel.
Disse-me o Comandante, Teixeira sabe do nosso problema alimentar, porque não distribui a carne ao Alferes ? Meu comandante, não neguei a distribuição, o que neguei foram uns quilos de bife. Imagine, meu comandante, se a rapaziada sabe que mandei para a messe de oficiais carne para bifes ? O que eles iriam fazer, um novo levantamento de rancho ? E os sargentos ?
Pode retirar-se disse-me o Comandante Cardoso.
Ao final do dia, levei um bife ao Comando. Não sei o que o homem lhe fez, mas a bandeja da apresentação da refeição regressou vazia.
A cabeça da vaca, mais concretamente as suas bochechas, com o resto dos miúdos deu uma refeição de feijoada. Dei mais duas refeições de carne, talvez tenham sido uma com esparguete e outro uma jardineira. Claro que entravam os chouriços juntamente, para encher. Não me lembro, mas não devo ter muitas dúvidas sobre isso.
Os sargentos ficaram furiosos com o Dias. Os oficiais não faço ideia como ficaram. Nem o meu, o Xarez, conversou nadinha comigo. Aliás já era normal.
Passados uns dias, apareceu um indivíduo com o cipaio, a reclamar uma vaca roubada que foi dada à tropa. Não me lembro como ficou a situação.

A bochecha de vaca - ou boi - que me fez recordar esta história.
Na ponta esquerda, eu no tempo em que era vago ou vaguemestre. Junto a mim, o "gajo" que me orientava o serviço. Era o cabo rancheiro. Espero que ainda esteja por cá. Ajudou-me muito pois eu não percebia nada daquilo. Mas só sei que não tinha de me preocupar. E tinha imensas horas livres e o jipe à disposição.
Dois bons camaradas me ajudaram nesse tempo. Ambos condutores. Um creio que é o gerente dos Armazéns Peixoto - Gondomar e Valongo -. O outro trabalhou na Pacence.
A foto foi num dia de futebol, provàvelmente um norte-sul em que não alinhei.