sábado, 17 de novembro de 2012

53. O Homem sem cérebro

Presumo ser normal lembrarmo-nos com frequência de amigos, muitos deles já idos deste mundo, principalmente quando encontramos outros amigos que na nossa juventude tratámos como camaradas, pois assim nos ensinaram.

Refiro-me há "Juventude de África" dos anos 60 e 70 do século passado. Muitos desses camaradas de outrora só passados dezenas anos se conheceram ou se reencontraram. E por aí vão convivendo em tertúlias, lembrando aventuras, amores, desilusões. E continuam a tratar-se por camaradas.

Num dia sensível em que um de nós nos deixou, neste caso, uma, a camarada Enfermeira-Paraquedista Reimão, recebi várias notícias e emails tocando a alma. Umas vindo através do Paraquedista Mampego e do Blogue da Tabanca Grande sobre a Reimão e os outros vindo através da Cirea, do Brasil, assinado pelo A. Ramalhete, Memórias do tempo; e do Santos Oliveira, por causa da feliz novidade lida e falada na Rádio Liberdade de Argel pelo traidor Alegre. Reenviei esses emails, porque aqui é impossível colocá-los. Mas fica este link fácil de encontrar.
http://ultramar.terraweb.biz/Livros/SantosOliveira/PelMort912_upd3.pdf

A Pátria sou eu és tu..., Celebração de Amigos, Efemérides, Poemas de Guerra.

Por um acaso, chegou-me outro email do programa do Jô entrevistando um reputado médico Mineiro o Dr. Murilo Ranulfo. http://tvg.globo.com/programas/programa-do-jo/programa/platb/2012/11/05/muri


Entre os minutos 28 e 30, refere-se o Dr. Murilo a um pormenor que me fez vir à memória, mais uma vez, os meus camaradas Vítor Condeço - já falecido - e o Dias Pinheiro.

Ambos já eram residentes em Catió há cerca de um ano quando lá cheguei. O Condeço especialista em Armamento, o Pinheiro, Sapador, isto é, especialista em Minas e Armadilhas. Numa coluna a Cufar em que participei na segurança da picada, junto ao célebre cruzamento de Camaiupa, após várias minas detectadas, a última da do Pinheiro explodiu. Evacuação pedida, retrocede para Catió uma viatura com o Pinheiro "sem vida". Assim julgamos nós e no relatório do BART1913, dá-se baixa aos efectivos do Furriel Pinheiro, evacuado para o H.M. 231 (?) em Bissau. Só isso.

Passados uns anos e por causa de um amigo comum, o Barrinhos,(que foi assassinado por alguém duma facção do PAIGC, presume-se e já muito depois da guerra terminada, e sobre o qual escrevi aqui um artigo em Novembro de 2006, que pura e simplesmente desapareceu, ficando apenas um retalho, sem foto, de uma recapitulação que fiz em 30.Junho.2009. Nessa altura estava tudo direitinho ainda. Mas agora que fui bisbilhotar o que escrevi deparei com esta cena.) o Vítor Condeço encontrou-me e começamos a conversar. Entre as várias lembranças veio a do Pinheiro. Ele não morreu, disse-me o Condeço. Então foi uma das ressuscitações de Catió, disse-lhe, pois um dos condutores das Daimlers ficou cheio de buraquinhos num dos ataques em final de comissão, foi evacuado morto e encontrei-o uma vez na Avenida da Liberdade em Lisboa, são como um pêro, embora cheio de recauchutagens.

Em 20 de Maio de 2007, na confraternização da CCS do BART1913, encontro pessoalmente o Condeço. E peço-lhe, diz-me se está cá o Pinheiro.
E estava sim. E ouvi uma das histórias de guerra ao vivo e na primeira pessoa.

Estava a armadilhar a mina depois de escavar, a meter o fio, mas essa puta estava também armadilhada o que a fez explodir. Não me lembro de mais nada a não ser que ía pelo ar e a ver tudo vermelho.

 
E então como conseguiste sobreviver ?: Não sei, sei que fiz uma dúzia de operações e plásticas e fiquei sem uma parte do cérebro. Felizmente é aquela parte de que não precisamos. E disseste isso muito sério.

Ri muito na altura, bem como alguma rapaziada que ouviu a nossa conversa. Também houve uns comentários giros na postagem que o Blogue da Tabanca Grande publicou do nosso encontro.

Hoje ao ouvir a entrevista do Dr. Ranulfo (nome de Santo) ao Jô, lembrei-me de ti, Pinheiro. Falávas verdade e afinal não era para rir. Demonstras à Ciência que o nosso corpo tem excessos.

Na foto, o Pinheiro, que me disse, quando lhe pedi autorização para fotografar e contar a história dele:  Não me mandes outra vez pelo ar. (Maio de 2007)

















  

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Jorge: Eu não estive na Guiné.Mas esta narrativa é vivida, emocionante e …heróica!Um abraço respeitoso. Orlando

Santos Oliveira disse...

Jorge

Com as dificuldades tidas com a computação e computador, acabo de saber (muitíssimo atrasado) da partida/desenlace da a camarada Enfermeira Pára-quedista, Reimão (mais um de nós que se foi!). Estamos a ficar poucos e com pouca roupa.
Aos Familiares, as minhas Condolências.

Mas, às vezes, temos coisas a mais; outras a menos.
O Pinheiro (Camarada) tinha a "mais" e foi-lhe amputada; ficou perfeito (menos as marcas).

Agora, andam para aí com ideias onde parece que a gente tem de ser amputada, não porque tenha a mais, mas porque ajuízam que possuímos; o Pinheiro não se livrará, facilmente desta febre de amputações (subtracções).

Não posso deixar de lembrar o Condeço, um dos avançados na partida.
Paz á sua Alma.

Acrescentar que Miguéis de Vasconcelos, é o que mais prolifera neste País, não é referencial para os desapegados da Pátria, (apátridas e traidores)que anunciam a pseudo-chacina do Cachil, á 48 anos atrás.

Abraços, do
Santos Oliveira